sexta-feira, 14 de maio de 2010

Pior do que um espelho grego

Para quem tem dificuldades para compreender que nenhum remendo é a solução para acelerar o motor da Economia. Para entender que por mais que você aposte tudo no seu negócio, sua empresa estará sempre fadada ao desespero e sua família arriscando um dia não  ter sequer um teto para protegê-la. Você se considera um empresário e não lê, nem analisa cada linha do que lê ou lê e acredita que seja a solução o acréscimo ou a subtração de um detalhe Fiscal, você está colaborando para que seus descendentes recebam a mesma herança de um pote imenso de frustrações. Este artigo do Economista Rogério Furquim está quase perfeito como lição de casa para todos os brasileiros que não gostam de serem enganados.
O Brasil no espelho grego


O desastre que hoje enfrenta a Grécia não surgiu da noite para o dia. Resultou de sérios equívocos de ação coletiva cometidos pela sociedade grega ao longo de muitos anos e vários governos. O que agora se vê é apenas o trágico final de uma aposta prolongada na ideia de que o país poderia viver para sempre muito além de suas possibilidades. Entre nós, o infortúnio grego deveria ensejar reflexões mais que oportunas sobre as inconsequências fiscais da sociedade brasileira.

No Brasil, o processo político vem engendrando, já há muito tempo, aumento continuado e explosivo de despesas públicas. Nos últimos 16 anos, os gastos primários dos três níveis de governo vêm-se expandindo ao dobro da taxa de crescimento do PIB. As contas públicas só têm sido mantidas sob relativo controle porque, em paralelo, a sociedade tem sido obrigada a destinar ao financiamento do governo parcela cada vez maior dos recursos que gera a cada ano. No esforço de aprofundamento da extração fiscal, a carga tributária teve de ser elevada de cerca de 24% do PIB, no início dos anos 90, para os atuais 36% do PIB. Uma assustadora elevação de 12 pontos percentuais do PIB.

O grande problema é que não há sinal crível de que esse regime fiscal insustentável, que tem requerido um aumento de carga tributária de 3 pontos percentuais do PIB a cada mandato presidencial, esteja prestes a sofrer mudança significativa.

É notória a falta de compromisso da ex-ministra Dilma Rousseff com a ideia de controle do dispêndio público. Desde 2005, quando liderou a resistência à contenção da expansão de gastos proposta por Antonio Palocci e Paulo Bernardo, Dilma Rousseff tem-se empenhado de todas as formas pelo aumento de dispêndio. Em termos de mudança do regime fiscal, não há muito a se esperar, caso seja eleita presidente.

Se o eleito for José Serra, é até possível que haja mais empenho no controle de gastos de custeio. Em entrevista à revista “Veja” (21/4), Serra mencionou a possibilidade de conter gastos com fornecedores por meio de revisão criteriosa de contratos. Mas nada disse sobre as despesas que compõem o grosso do gasto primário federal. O que, sim, deixou perfeitamente claro é que conta com o “aumento de arrecadação via combate à sonegação” para ampliar os investimentos públicos.

Combate à sonegação é fundamental. Mas, a esta altura, já não deveria mais ser plataforma para aumento de carga tributária. Caso Serra venha a ser eleito, o que de melhor se pode esperar no front fiscal, portanto, é alguma contenção no crescimento nos gastos de custeio, combinada a forte expansão de gastos de investimento, sem interrupção da escalada de carga tributária que vem sendo observada há muitos anos. É a insistência na ideia de que é sempre possível gastar mais com novo aprofundamento da extração fiscal.

Foi nesse clima de desalento sobre as reais possibilidades de mudança do regime fiscal, que foi anunciada, na semana passada, a estapafúrdia decisão da Câmara de extinguir a aplicação do fator previdenciário, uma fórmula que vem contribuindo para atenuar o impacto das aposentadorias precoces nas contas públicas. O mais chocante, contudo, não foi a irresponsabilidade do Congresso, sobre o qual o Executivo já não tem nenhuma ascendência, em face dos seus próprios e sucessivos desmandos na área fiscal. Foram, sim, as manifestações espantosamente escapistas e eleitoreiras que os dois principais candidatos a presidente se permitiram, diante de fato tão grave.

A toada é conhecida. Tudo indica que, numa triste repetição de 2002 e 2006, o país vai mais uma vez marchar para as eleições passando ao largo das questões fiscais que efetivamente importam para a discussão do programa de governo do próximo mandato presidencial. O Brasil vai-se dar ao luxo de mais quatro anos de enredo grego. Afinal, como o quadro ainda não configura uma tragédia, sua elite política acha que essas questões podem ficar para a campanha de 2014. Ou, os deuses permitindo, para as calendas gregas.
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O Globo - 14/05/2010 / Página 06 - Opinião
Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio
Autor(es): Agencia O Globo/ROGÉRIO FURQUIM WERNECK

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